
Avaliar como projetos de ciência cidadã, desenvolvidos em Áreas Protegidas no Brasil, contribuem para a promoção da saúde planetária, considerando suas interfaces com a governança socioambiental, a sustentabilidade e o bem-estar humano. Este é o objetivo de um projeto desenvolvido no Laboratório de Áreas Naturais Protegidas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) e apresentado como tese no programa de pós-graduação em Ecologia Aplicada Interunidades (Esalq/Cena).
Em síntese, a bióloga Gabrielle Abreu Nunes desenvolveu um instrumento avaliativo que integra teoria, impactos e indicadores com a proposta de orientar projetos de Ciência Cidadã. “Consideremos Ciência Cidadã a prática que promove a participação ativa dos cidadãos em atividades científicas gerando experiência, compreensão e novos conhecimentos tanto para a ciência quanto para o cidadão participante”, comenta a pesquisadora, que teve como orientadora a professora Teresa Cristina Magro Lindenkamp, do departamento de Ciências Florestais.
A professora Teresa reforça que a pesquisa envolve dois temas atuais e relevantes para a sociedade: a ciência cidadã e a conexão entre a saúde dos ecossistemas e o bem-estar humano. “Podemos dizer que a pesquisa da Gabrielle aborda conceitos amplos sobre as Contribuições da Natureza para as Pessoas (conceito mais abrangente que Serviços Ecossistêmicos) ao trazer uma abordagem integrada entre ciência, política e sociedade para enfrentar os desafios do Antropoceno”.
Na prática, a Gabrielle Nunes explica que desenvolveu o framework CIVISPLAN e, para facilitar o uso, foi desenvolvido um protótipo de chatbot, que organiza esses conteúdos e gera recomendações de forma acessível. “Os projetos que mapeei têm um perfil bastante diverso, indo desde iniciativas de monitoramento de fungos até grandes mamíferos como onças, além de insetos, aves e ecossistemas inteiros”. No total, a pesquisa contou com a colaboração de mais de 45 instituições no Brasil e no exterior, entre universidades, centros de pesquisa, organizações da sociedade civil, órgãos gestores e redes científicas.
“Destaco a parceria com a UNESP Botucatu, Clube da Mata, UFRRJ, UERJ, além da experiência internacional durante meu doutorado sanduíche na Wageningen University and Research, nos Países Baixos, em diálogo com a European Citizen Science Association”. Na plataforma, os dados são organizados em cinco dimensões fundamentais: bem-estar humano, saúde ambiental, sustentabilidade, governança e tecnologia/dados. “Ele permite avaliar de forma padronizada como os projetos de ciência cidadã contribuem para a saúde planetária”.
Desafios – A pesquisa mapeou 24 desafios específicos enfrentados no Brasil e validou 41 boas práticas capazes de superá-los. Também foram registrados 31 efeitos positivos concretos, ancorados em 26 indicadores e conectados a 18 abordagens teóricas consolidadas, o que reforça a base científica do tema. “Entre os avanços, destaco o fortalecimento da governança participativa, as contribuições para políticas públicas e evidências de melhora no bem-estar emocional e na conexão com a natureza entre os participantes”, conta a pesquisadora.
Entre os principais desafios identificados no mapeamento, a pesquisa destaca a descontinuidade de financiamento destinado às iniciativas de Ciência Cidadã no país. Isso, muitas vezes compromete a sustentabilidade dos projetos, e a articulação com políticas públicas, que limita o impacto dos dados gerados. Identificamos também efeitos da pandemia de Covid-19, que interrompeu atividades presenciais e afetou o engajamento das comunidades. “Como boas práticas que auxiliam a transpor essas barreiras, vimos que a formação e a devolutiva constante para os voluntários fortalece o engajamento das pessoas, e que a padronização dos protocolos de coleta aumenta a confiabilidade dos dados, facilitando sua integração em processos de decisão. Em resumo, a pesquisa não apenas avança teoricamente, mas também entrega instrumentos concretos para apoiar decisões, fortalecer projetos de ciência cidadã e ampliar sua contribuição para a sustentabilidade e o bem-estar das pessoas”, avalia a bióloga.
Para a orientadora do projeto, as áreas protegidas fazem parte da estratégia e do esforço para a proteção da biodiversidade, mas estes espaços representam oportunidade também de benefícios imateriais. “Podemos citar o bem-estar psicológico e a conexão com a natureza, que são fundamentais para a saúde coletiva”. Para a docente, a ciência cidadã, ao envolver a população em atividades de pesquisa e monitoramento ambiental, fortalece esse vínculo e contribui para políticas públicas mais inclusivas. “Assim, integrar saberes e promover a participação ativa da sociedade são caminhos cruciais para conservar a natureza e transformar realidades", finaliza.
O projeto contou com apoio da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e Fealq (Fundação de Estudos Agrários Luiz de Queiroz).
Texto: Caio Albuquerque (29/10/2025)